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Órfãos de uma paixão assassinada

Enquanto as mesas redondas discutiam as polêmicas da rodada e os programas de TV reprisavam os gols mais bonitos deste domingo (25), a Portuguesa desaparecia do cenário nacional ao ser eliminada na Série D do Campeonato Brasileiro. Os raros minutos de destaque e as tímidas linhas de texto davam conta de uma derrota por 1 a 0 para a Desportiva Ferroviária no Espírito Santo. Como que apenas mais uma entre tantas quedas em uma competição. Um dia certamente alguém que não frequenta as alamedas do Canindé sentirá falta da Lusa e tentará saber por que razão o clube sumiu. Aí virão atrás de nós, os órfãos de uma agremiação assassinada na base da covardia e da omissão.

Sim, de nós. Tanto os que não arredaram pé da arquibancada em meio a esse processo de desmonte quanto os que foram cansando e se afastando pelo caminho. Os que foram dormir sem saber se acordariam com um time para torcer, com cores para defender, com um sentido para continuar a viver. Os que nem dormir conseguiram, chorando ao lembrar dos momentos com os avós, os pais, os irmãos, os filhos e os netos no Canindé. Porque, para nós, o futebol é o espaço em que nos sentimos parte do lugar que nossos antepassados tiveram de deixar para trás, o símbolo de terem vencido na vida, o ambiente em que ensinaram valores à família, o lugar em que o coração se sente em casa.

 

O clima, entre nós, é de velório. Nosso time foi eliminado da última divisão do futebol brasileiro, não está disputando sequer a elite do campeonato estadual e só garante vaga na próxima Série D se for campeão da Copa Paulista. Vocês sabem o que é, para um torcedor da Lusa, ter de levar a sério uma Copa Paulista? A paixão sempre nos cegou e dificultou enxergarmos se realmente não haveria mais como reverter a situação. Hoje, então, fica ainda mais complicado abraçar alguma esperança. Se ainda nos restou alguma força, que seja ao menos para escancarar os motivos desse desaparecimento da Portuguesa. Aqueles que só nós, que vivemos o dia a dia desse clube, sabemos. 

Desde 2013, é impossível conversar com alguém sobre a Lusa sem que citem o "caso Héverton". Esse é o grande nó que sufocou de vez qualquer chance de ressurgimento de um clube já combalido. Além de ser retirada da elite nos tribunais, ser acusada de vender a vaga, ser objeto de oportunismo de outros clubes, ser tolhida de milhões em cotas de televisão e ser humilhada pelos próprios diretores em rede nacional, a Portuguesa foi vítima da omissão da CBF, do STJD, do Ministério Público, da Justiça e dos próprios conselheiros do clube. Pior do que aquele rebeixamento vergonhoso foi ninguém ter feito nada. Tanto dentro quanto fora do Canindé. Assassinar a Portuguesa é jogar uma pilha de sujeira para debaixo de um tapete imenso, puxado para que nós torcedores caíssemos.

Porque a torcida da Lusa é a única vítima daquilo, que é sem dúvida uma das maiores vergonhas do futebol brasileiro. O que muitos não conseguem - ou não querem - entender é que não foi a torcida que provocou o "caso Héverton". Foram pessoas que se apoderaram de instituições e que continuam a dormir tranquilamente. Que serão poupadas de qualquer responsabilidade com a morte da Portuguesa. É curioso que o clube tenha apenas definhado desde então, sem qualquer poder de reação, caindo de divisão ano após ano. E nós, torcedores, assistimos a sucessivas gestões catastróficas desde aquilo. Salvo uma ou outra exceção, tudo que foi feito afundou ainda mais a Rubro-Verde.

Só que o "caso Héverton" foi apenas o golpe fatal. O problema central da Portuguesa está na administração. Que, não bastando ter parado no tempo, foi sempre contaminada por disputas nefastas. Se a política já é vergonhosa por natureza, imagine em uma colônia em que meia dúzia se sente dona do clube. A vaidade é um problema eterno no Canindé e faz com que grupos boicotem a própria Lusa apenas para prejudicar rivais. Isso, com o tempo, foi afastando pessoas honestas, capazes e que tinham condições de ajudar a Rubro-Verde e evoluir. Foram sobrando apenas os velhos, endinheirados, interesseiros e que se intercalavam no poder como que num jogo de cartas marcadas.

 

Quando veio a Lei Pelé, com a Lusa estacionada no tempo, surgiram as dívidas astronômicas. O que esperar de um grupo podre no comando do clube? Contratavam como se comprassem leite para as padarias e dispensavam como se jogassem farinha vencida no lixo. Mas quem dera se cuidassem da Portuguesa como dos próprios negócios. Vieram as ações trabalhistas, as condenações sem nem mandar advogado para defesa, as penhoras e os salvadores da pátria. Vários tiravam do próprio bolso para bancar a Rubro-Verde. Uns por amor, por dedicação, para ajudar. Outros, nem tanto. Não demorou para que o jogo virasse e muitos passassem a pressionar para recuperar o dinheiro "investido".

 

Aquela queda em 2013 não foi de um clube profissional que se mantinha na elite. Mas, sim, de um clube pessimamente administrado e que tinha na permanência na Série A a única chance de captar recursos para quitar dívidas. O grande nó, talvez até maior que o "caso Héverton", já se chamava Canindé. Com o patrimônio penhorado, não havia saída desde então: pagar as dívidas ou perder o terreno. E essa é a disputa que tem corroído todas as oportunidades de reconstrução da Portuguesa desde aquele fatídico rebaixamento. Uma colcha de retalhos que foi sendo sutilmente costurada, sob a completa omissão do Conselho Deliberativo e do Conselho de Orientação e Fiscalização.

 

 

Qual não foi o espanto? Os entusiastas da venda do terreno e de deixar o Canindé ir a leilão foram surgindo. Curioso isso acontecer em um clube no qual tantos cobram por terem investido no passado, não? Mais curioso ainda foi ter visto, desde 2013, todas as medidas contrárias serem boicotadas. Quem tentou mudar o rumo da derrocada foi derrubado do poder. Quem apresentou propostas para quitar as dívidas sequer teve espaço nas reuniões dos conselheiros. Quem conseguiu parcerias com a iniciativa privada para capitalizar em cima do patrimônio e barrar o leilão foi silenciado. No pior ano da história da Portuguesa, o Conselho Deliberativo não realizou uma reunião sequer. Pasmem.

Se um dia quiserem saber o porquê do sumiço da Portuguesa, sigam o caminho certo. Não caiam nas histórias de que o "caso Héverton" foi a causa de tudo. Mas, sim, que foi apenas o golpe fatal de um processo de desmonte maior. Não comprem o discurso de que a culpa é da imprensa, que nunca teria dado voz a um clube cujas direções foram escondendo. Não comprem o discurso de que sempre houve presidente fazendo das tripas corações para salvar a Lusa. Não comprem o discurso de que só a falta de dinheiro fez com que essa derrocada fosse tão vertiginosa. Não comprem esse discurso, que nos últimos tempos tem acusado até mesmo a torcida de assassinar o clube que ama. 

 

Seria absurdo pedir que os outros tivessem essas sensações. Mas um dia perceberão que uma parte importante do futebol deste país evaporou. O clube que revelou o primeiro brasileiro campeão do mundo. O clube que foi ao exterior representar o Brasil após o vexame de 1950 e voltou recepcionado por uma multidão em São Paulo. O clube que cedeu quase que meio time para a Copa do Mundo seguinte. O clube que um dia foi base da seleção brasileira. O clube que foi considerado uma das quatro grandes forças do futebol paulista. Sim, uma das quatro. O clube que construiu todo seu patrimônio sem um tostão público, apenas com o suor e as lágrimas de uma coletividade.

A queda na primeira fase de uma mísera Série D, as contratações totalmente infundadas, as chegadas que racharam o elenco, o jogador que praticamente virou diretor de futebol, os técnicos que sugiram como marionetes, o atacante salvador que jamais jogou, a partida decisiva em um Canindé de portões fechados e o vergonhoso atestado de mera incompetência da diretoria são apenas mais alguns ingredientes de um processo dolorido pelo qual temos passado. Enquanto uns não conseguem ter a dimensão dessa queda da Lusa e outros se benficiam do silêncio, a torcida vai tentando juntar os cacos de um coração dilacerado, de uma vida sem sentido. 

Não se arranca um amor do peito como se tira uma camisa de futebol do corpo. Esse amor vai nos levar a algum lugar. Ainda mais a nós, que só sabemos resistir. Qualquer dia a gente se encontra, seja em um livro de história, em um campo de várzea ou em um ato heroico nosso. 

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Fonte: Globo Esporte
Por: Redação
Data: 27/06/2017 00h51min

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