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Análise: Exploração política de furacões nos EUA é tiro que pode sair pela culatra a um mês das eleições

História mostra que desinformação alimentada por Donald Trump sobre Helene e Milton e percepção de que Kamala Harris tenta mostrar serviço de olho nas urnas afastam eleitores

Mulher passa por casa atingida por tempestade após a passagem do Furacão Milton, em 10 de outubro de 2024, em Osprey, Flórida — Foto: Sean Rayford / Getty Images / AFP

Não foi exatamente uma “surpresa de outubro”, termo que no dicionário político americano significa fato inesperado capaz de afetar o resultado das eleições na reta final. Furacões tropicais no outono do Hemisfério Norte, como o Helene e o Milton, ilustram a folhinha dos eleitores do sul dos Estados Unidos desde sempre. Mas o rastro de destruição do primeiro, na Carolina do Norte e na Geórgia, estados decisivos para a vitória no Colégio Eleitoral, e a velocidade recorde da formação do segundo, apelidado de “a tempestade do século”, se revelaram desastrosos para as campanhas de Kamala Harris e Donald Trump à Casa Branca. Em disputa acirrada, com empate nas pesquisas, as duas foram acusadas de politizarem a resposta a fenômenos intensificados pelo aquecimento global, responsáveis por centenas de mortes, com milhares de cidadãos em risco e comunidades inteiras à mercê de ajuda pública para se reerguerem. Deram tiros que, especialmente no caso do republicano, têm tudo para sair pela culatra em novembro.

Foi Trump quem jogou a temporada de furacões para o olho da disputa com Kamala. Desde quando o Helene avançou pelo solo americano, passou a repetir mentiras e teorias da conspiração, a mais absurda delas a de que não havia dinheiro federal suficiente para ajudar os desabrigados pois o governo de Joe Biden havia transferido os fundos para conter a entrada recorde de imigrantes no país. Sua nora Lara, copresidente do Partido Republicano e natural da Carolina do Norte, bateu ponto nos tradicionais programas noticiosos no último domingo, às vésperas da chegada do Milton, fisionomia séria, para repetir que “enquanto nós, sulistas, morremos, o ‘dinheiro de Biden e Kamala’ paga diárias em hotéis de luxo para os ilegais”. Mentira, claro.

A patacoada trumpista, alertaram até mesmo governadores e líderes republicanos das áreas mais atingidas, complicou o já difícil trabalho da Fema. A agência federal americana para o gerenciamento de emergências e desastres teve de entrar pesado no combate à desinformação no momento em que buscava convencer cidadãos a saírem de áreas de risco e organizar os esforços de resgate. Teve de reafirmar que havia fundos públicos para a retirada segura e a ajuda na recuperação de bens e propriedades destruídos.

Enquanto Trump acusava a Casa Branca não só de incompetência, mas de descaso, “pois as áreas mais afetadas são de eleitores republicanos”, o governador da Geórgia, Brian Kemp, um republicano, e prefeitos da oposição em cidades duramente atingidas na Carolina do Norte desmentiram, um a um, o candidato à presidência de seu próprio partido. Garantiram que não só estavam em contato direto com Biden e com o governador democrata Roy Cooper, mas que ambos haviam se mostrado especialmente solícitos, não economizaram ajuda humana e financeira, e que era especialmente importante seguir a orientação do poder público neste momento. Além de rasteira, a tática eleitoral trumpista se revelou criminosa.

O difícil equilíbrio de Kamala

Kamala, por sua vez, se encontra em situação delicada. Em disputa voto a voto com Trump, a vice de Biden não é a face da resposta federal à devastação causada pelos furacões. Mas também não podia seguir a campanha em outros estados como se nada tivesse acontecido. A saída da Casa Branca foi mandar Biden e Kamala para eventos distintos na Geórgia e na Carolina do Norte. A vice se encontrou com voluntários e políticos diretamente envolvidos no comando dos esforços de resgate.

Podia ter bastado, mas a campanha democrata resolveu devolver na mesma moeda os golpes abaixo da cintura de Trump. Peças de propaganda nos sete estados decisivos mostram o ex-presidente debochando, em comícios e aparições públicas nas últimas semanas, da crise do clima e do aquecimento global. Em uma delas o vilão é Ken Cuccinelli, figura central da pasta de Interior no governo Trump, contribuinte destacado do demonizado Projeto 2025, ultraconservador. Ele defende justamente o encolhimento radical da Fema. Em seguida, avisa-se: “O plano de Trump é simples — diminuir o auxílio às vítimas de furacões, que se tornarão mais letais”. Outra propaganda democrata na tevê faz as contas e mostra que Trump privilegiou, quando em Washington, a ajuda federal no combate a tragédias a endereços comandados por aliados.

Um dos beneficiados teria sido Ron DeSantis, reeleito na Flórida após ser elogiado pelo combate a uma série de furacões em 2022. Esta semana, o governador e Kamala bateram boca publicamente sobre telefonemas que não teriam acontecido e se acusaram mutuamente de usarem os fenômenos naturais para “jogo político”. Pessoas próximas ao comando da campanha democrata afirmam reservadamente considerar que Kamala “caiu em uma armadilha” e passou a imagem de “pouco presidencial”. Afinal, se a “tempestade do século” causou, como parece, ainda bem, muito menos mortes na Flórida do que o Helene, argumentam, o foco segue nas dezenas de cidadãos ainda isolados e desaparecidos na Carolina da Norte, onde o número de mortos ultrapassou 230.

Veterano da política local e um dos principais assessores do deputado Eric Cantor quando na presidência da Câmara dos Deputados, Douglas Heye afirmou ao site Politico entender que a disputa acirrada, e a quatro semanas do voto, empurra mesmo os candidatos para a politização sem rédeas. Mas que, neste caso, “usar a tragédia para avançar agendas políticas” escancara que a motivação central não é “a ajuda a seus próprios eleitores”. Não está em jogo no tabuleiro eleitoral, frisa, apenas a provável ausência de eleitores nas zonas rurais da Carolina do Norte, um reduto republicano, mas a maneira como indecisos que votarão em todo o país observam o teatro político em torno dos desastres.

Veja as imagens mais marcantes da passagem do furacão Milton

A História mostra que eleitores americanos, em situações similares, reagiram de forma positiva a líderes que, em sua percepção, se sensibilizaram com o horror, sem uso político da tragédia. O mais memorável desastre pós-desastre foi protagonizado por George W.Bush, em agosto de 2005, após as mais de 1.800 mortes causadas pelo furacão Katrina. Viu a devastação em Nova Orleans (depois traduzidas em US$ 125 bilhões) do avião presidencial, ao voltar das férias de verão em seu rancho no Texas. E, após seguidas falhas da Fema e de seu governo, entre elas a negligência na manutenção dos diques de proteção da cidade, saiu-se com a frase “você fez um trabalho exemplar” para o comandante da agência à época.

As imagens foram exploradas pelos democratas nas eleições de meio-termo no ano seguinte. Os republicanos perderam então as maiorias nas duas casa do Capitólio, o comando em diversos estados e o presidente penou aprovação de 24%, que jamais melhorou até a passagem do governo para a oposição.

"Politizar tragédias é sempre um erro"

Em 2012, seu sucessor, o democrata Barack Obama, enfrentou, a uma semana de tentar sua reeleição, o furacão Sandy, com mais de US$ 70 bilhões de danos na Costa Leste. Obama e seu adversário, o ex-governador Mitt Romney, interromperam suas campanhas à época e uma das imagens definitivas da disputa seria o aperto de mãos entre o presidente e um de seus mais ferozes críticos, o governador Chris Christie, de Nova Jérsei, um dos estados mais destruídos pela tempestade. Sinal dos tempos, a imagem de união dos dois lados do flanco político, celebrada à época, foi usada quatro anos depois contra Christie nas primárias republicanas, apresentada pelo trumpismo como erro ideológico e deslize estratégico. Destacou-se menos o fato de Romney ter cometido o erro de defender à época a diminuição de protagonismo da Fema, apresentando como solução, exatamente como a receita do Projeto 2025, mais poder aos estados para enfrentar desastres naturais.

Porta-voz de Romney à época, Ryan Williams afirmou ao Politico que “politizar tragédias é sempre um erro”. As campanhas, argumenta, deveriam priorizar a ajuda a voluntários e jamais arriscar serem tachadas de “papagaios de pirata” de presidentes e governadores, responsáveis pela resposta oficial. O eleitor, alerta, percebe quem “tenta demais” e não gosta do que vê.

À NPR, a rádio pública americana, o jornalista Steve Bousquet, que comandava a Redação do jornal Tampa Bay Times quando o furacão Michael devastou a Flórida, em meio às eleições de 2018, afirmou não haver ciência exata na relação do voto com tragédias de grandes proporções. Os efeitos práticos à época foram, por um lado, conta, maior abstenção nas áreas afetadas e, por outro, ênfase comprovada na boca de urna do reconhecimento da importância do Poder Público. A disputa pelo Senado foi decidida por 10 mil votos e o candidato derrotado, democrata, era o popular prefeito de Tallahassee, celebrado por sua resposta oficial a uma das áreas mais afetadas, onde, no entanto, 13 mil pessoas deixaram de votar em relação a quatro anos antes. Perdeu ganhando.

Um ano antes, já com Trump na Casa Branca, Porto Rico sofreu com os furacões Maria e Irma e os democratas denunciaram o descaso do presidente mesmo após a morte de 3 mil cidadãos. Pessoas próximas ao republicano contaram depois que ele teria afirmado seguidas vezes sua oposição a usar “dinheiro dos contribuintes americanos” para socorrer vítimas e auxiliar na reconstrução do território. Em público, semanas depois, Trump foi convencido em visitar a ilha e prestar tributo aos mortos. Ironia trágica, uma leva de desalojados porto-riquenhos, em sua maioria latinos, migrou para o continente há sete anos por conta da tragédia. Boa parte para a Pensilvânia, onde o voto boriqua (como são chamados os nascidos no território caribenho), estimado em 300 mil pessoas, pode decidir em novembro quem vencerá no estado. E, por tabela, comandar a Casa Branca a partir de janeiro. O castigo, dizem, vem voando.

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Fonte: G1
Por: Redação
Data: 11/10/2024 15h07min

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